sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Jackson tira caixa de pizzaria para dançar (Folha de São Paulo, Outubro 1993)

Folha de São Paulo, 18 de outubro de 1993
Por Thaís Oyama

Marlene de Almeida, 28, passou dois minutos abraçada ao cantor depois de uma espera de 35 horas


Marlene de Almeida, 28, caixa de uma pizzaria, chegou ao Morumbi sábado de manhã (35 horas antes do show), dormiu na porta do estádio, sobreviveu aos mais de 100 desmaios registrados na beira do palco, enlouqueceu de tanto gritar pelo seu ídolo e acabou como a Cinderela da noite.

"Eu tinha certeza que ele ia me escolher, eu tinha certeza!", gritava ela minutos depois de descer do palco, onde dançou com Michael Jackson a música She's Out Of My Life.

Marlene só conseguiu dar entrevista à Folha dez minutos depois de encerrar sua participação relâmpago em Dangerous (ela ficou no palco, dançando agarrada ao cantor, exatos dois minutos).

Antes disso, chorava compulsivamente e sacudia os braços para cima. Quando interrompia o gesto, era pra beijar as próprias mãos. "Ele segurou aqui, ele segurou essa mão!". E começava a chorar de novo.

A garota disse que só pôde ir ao show porque colegas da pizzaria onde ela trabalha fizeram uma "vaquinha" para comprar seu ingresso. "Todo mundo sabe que eu morro por ele, todo mundo me ajudou".

Ela chegou ao Morumbi às 8h de sábado. Dormiu na porta do estádio e foi a segunda a entrar quando os portões abriram. Disparou em direção ao palco e de lá só desgrudou para ir ao banheiro (tomou o cuidado de deixar uma amiga guardando a área).

Quando o produtor a escolheu para dançar com o cantor, Marlene já era só lágrimas: "Eu sonhei com isso, eu via ele me puxando, chamando meu nome e eu dizia para ele: Michael, I love you".

Os dois minutos que passou abraçada ao cantor, Marlene afirma que não vai esquecer nunca. "Ele é tão terno, tão frágil e magrinho." Diz isso e começa a chorar de novo. "Minha boca não abriu. Eu tinha tanta coisa para dizer para ele..."

Em todos os shows, Jackson tira uma menina da platéia para dançar durante a mesma musica, She's Out Of My Life. Depois que a parceira é retirada de cena por um segurança, o cantor se ajoelha e finge chorar.



Público tira protetor da grama

 
O São Paulo Futebol Clube vai levar um susto hoje quando entrar no gramado. Meia hora antes do início do show, um bando de "baixinhos" começou a retirar e empilhar os tapumes que protegem a grama. "Se eu não fizer isso, não consigo ver", explicava Leonardo Santos, 9, que mentiu ter dez anos para poder entrar.

Leonardo empilhou sozinho oito tapumes na esperança de aumentar seus 1,30 metros. Nenhum policial impediu a "operação", repetida rapidamente por outros.

Os atendimentos médicos chegaram a 15 por minuto. Na maioria, desmaios. Quatro casos graves foram registrados: uma garota de 17 anos caiu e fraturou a tíbia esquerda; um membro da produtora do show sofreu uma crise gástrica; uma mulher de 27 anos teve sangramento uterino e um homem de 39 anos, identificado como Carlos Cunha, sofreu uma queda num dos banheiros do estádio, que pode ter provocado traumatismo craniano.

A única ocorrência policial registrada foi a invasão por espectadores do espaço reservado aos deficientes físicos. Segundo o comando do policiamento, cerca de 100 guardadores de carros foram presos nos arredores do Morumbi.



"Show é a hora da criança", diz Gil


Ontem, na ala Vip, logo depois do show, o compositor Gilberto Gil falou sobre Dangerous. "O show é absolutamente genial. Não me pergunte por quê. É meu coração que diz. Chorei quase o tempo todo. O show representa a hora da criança. É Monteiro Lobato, é Chaplin, é Garrincha. é Spielberg."

"E, ao contrário do que as críticas dizem, Spielberg não supera Chaplin. Spielberg realiza, possibilita o Chaplin. As pausas são pedagógicas. Elas exigem e ensinam a concentração. Elas remetem a nossa atenção para o sentido extraterreno do espetáculo. Não esperava.

"Vim blasé para o estádio, mas durante o show fiquei completamente extasiado."

Gil falava enfaticamente, com os olhos brilhando. Várias pessoas se aglomeraram em torno dele para ouvir o minidiscurso.



Popstar compra carrinhos e jato

O popstar Michael Jackson comprou ontem mais da metade dos 350 brinquedos do catálogo que a fábrica de brinquedos Estrela enviou para ele ao sábado. Alguns ficam com o cantor. Com os outros, ele deve presentear amigos norte-americanos. O cantor fez questão de pagar.

Entre os brinquedos escolhidos por Jackson estão Super-Trem, Super-Jato, Super-Patrulha, Boogie Fantástico, miniaturas de toda a turma do Batman, carros e aviões com controle remoto e quatro revólveres Tiro Matic. Junto com o pedido, o cantor mandou um bilhete: "Batteries for everything", ou seja, pilhas para tudo.

A Estrela também doou 100 brinquedos, no valor de CR$700 mil, para o cantor distribuir às 20 crianças do coro que participam de seu show e para o orfanato Casa de Maria. Foram bonecas Barbie, Autoramas e Ferroramas.



Cantor tem rosto rosa e mão pálida

A Folha furou o esquema de segurança de Michael Jackson durante sua visita ao hospital Anchieta, no sábado. Michael foi visitar o menino Márcio Alberto de Paula, atropelado por sua comitiva na quinta-feira. Um sargento da PM perguntou à reportagem: "Onde você vai?". Três momossílabos em inglês o convenceram de que o repórter era parte da segurança de Jackson.

Michael caminha de uma forma que dá a impressão que seus pés fazem esforço para atingir o chão. Seu rosto é de um cor-de-rosa forte. Olha muito para o chão e projeto os ombros para cima, a cada passada. As mãos têm a cor branco pálida e, nas costas da mão direita, há pintas bem escuras. Parece vitiligo mesmo. A cada movimento de Michael um segurança, de aproximadamente 2 metros de altura, negro e careca, liga seu rádio HT e informa aos outros que direção o cantor vai tomar.



Menina se atira em carro da comitiva

Uma menina de aproximadamente dez anos se atirou na frente de um dos carros da comitiva de Michael Jackson ontem às 17h30, quando o cantor saía do Sheraton Mofarrej em direção ao estádio do Morumbi. Ao sair o primeiro carro da comitiva (uma Veraneio da Polícia Militar), a menina se atirou na frente. A Veraneio brecou bruscamente para não atingí-la. Ela foi retirada do local por policiais e funcionários do hotel.

A menina estava acompanhada do pai, que ficou bastante nervoso, não quis dar entrevistas nem revelar o nome da garota. Disse apenas: "Vim fazer a vontade dela e ela quase se matou". Depois do incidente, a menina ficou em estado de choque.

No sábado à tarde, o cantor visitou Márcio Alberto de Paula, 15, no hospital Anchieta (Vila Mariana, zona sul de São Paulo). Quinta-feira à noite, a comitiva do popstar atropelou o rapaz, que fraturou o fêmur direito.



Morumbetes

 
- Tony Belotto e Malu Mader arriscaram ficar no gramado no show de ontem. O assédio dos fãs foi tanto que eles foram obrigados a entrar na tenda para atendimento médico. Malu ficou assustada com o tumulto, mas Tony se manteve tranquilo: "Isso aqui tá demais."

- Tadeu Jungle levou a filha Íris, 8, para assistir ao show de domingo. E não teve dúvida, declarou que ela tem 10 anos para passar pela censura.

- Luciana Vendramini tentava desesperadamente entrar no backstage. Mas saiu frustrada com a recusa dos seguranças.

- Bob Jones, vice-presidente da MJJ Productions, empresa que centraliza os negócios de Jackson no mundo todo, era dos mais animados anteontem na pista de dança do Gallery (Jardins), onde comandou um jantar apenas para a equipe do show.

- O apresentador Otávio Mesquita também foi ao Gallery. Insistiu em ocupar uma das mesas ao lado da pista, reservada para a turma de Jones. Foi expulso por Jones aos berros de "Get Out!". Tentou devolver na mesma língua, gritando com o dedo em riste: "Shit for you, OK?"

- Até o guitarrista David Williams, que acompanha Michael Jackson há 13 anos, admitiu que o som estava com problemas no show de sexta-feira.

- O motorista que dirige o furgão de Michael Jackson é o paulista Marcelo José da Cunha, 33. Ele conta que Jackson divide o banco traseiro com os três garotos que trouxe dos EUA. Na frente vai Bill Bray, secretário particular do cantor.

- Ronaldo, goleiro do Corinthians, foi conferir o show com a namorada Andréa Soler, 23. Distribuiu autógrafos e disse que o paulistano tem dois motivos para comemorar: a vitória de 1 a 0 sobre o São Paulo, anteontem, e a vinda de Michael ao Brasil.

- Raul Gazola não foi muito incomodado antes do show de domingo. Nenhuma tiete havia agarrado o ator porque, segundo ele, ninguém estava lá para assediar artista algum que não fosse Michael.

- A última de Washington Olivetto: "Michael Jackson e Madonna virem ao Brasil é tão importante quanto a volta de Jorge Benjor e a Tropicália 2".

- Os PMs entraram ontem em uma disputa com seguranças do popstar. Irritados, eles dispararam: "Precisamos mostrar que quem manda no Brasil é a gente". A queda-de-braço chegou a tal ponto que os policiais não estavam mais tão empenhados em segurar jornalistas e fotógrafos.

- Daniela Mercury, 28, assistiu o show com o maridão Valther no camarote da Sony. Fã incondicional do cantor, disse que tanto o show de Michael como o da Madonna servem de referencial para o seu trabalho. Seu próximo disco, "Vulcão da Liberdade", sai no começo do ano que vem.

- Regina Casé e o marido artista plástico Luiz Zerbini gostaram tanto do show de sexta que voltaram ontem, desta vez com crachá de acesso ao backstage. No fim do show, se recusou a sair do gramado e protestou cantando: "pode passar o rodo prá que mandar embora que eu vou ficar zoando lá do lado de fora". Ganhou aplausos dos seguranças.

- A cantora Wanderléa foi quem mais distribuiu autógrafos no camarote. Emotion, principalmente para o batalhão de crianças.

- Sem economizar elogios, Elba Ramalho lamentou tantos intervalos, mas logo justificou: "Os intervalos fazem parte da proposta dele, para trocar de roupa, descansar. No Brasil a gente tenta fazer tudo isso sem parar um minuto. Mas ele é americano, é um gênio. O que ele fizer está bom, a gente fica feliz."

- Deborah Blando ainda não ajustou o fuso com o horário de verão. Chegou às 20h e não conseguiu pegar sua credencial a tempo. O pânico foi sanado com um telefonema para Marlene Mattos, que acertou tudo em minutos.