quinta-feira, 1 de setembro de 2016

A Tempestuosa Família Jackson

Em 3 de junho de 2014, foi publicado nos Estados Unidos o livro Remember The Time: Protecting Michael Jackson in His Final Days. Um relato de memórias de Bill Whitfield e Javon Beard, dois seguranças que trabalharam para o Rei do Pop durante dois anos e meio - entre dezembro de 2006 e junho de 2009. Engraçado, triste e trágico, conhecemos a intimidade do carinhoso pai Michael Jackson e a solitária rotina de seus anos finais. Nesta tradução exclusiva, confira um trecho do livro. Todos os direitos do texto original pertencem à Weinstein Books.

Bill: Alguns fãs passavam de carro pela casa. Eles vinham, circulavam pelo quarteirão, paravam, olhavam um pouco e iam embora. Neste dia em particular, deve ter sido no começo de fevereiro, nós vimos uma PT Cruiser vinho indo e voltando para a frente da casa. Tinha janelas filmadas, então não podíamos ver quem era. O carro circulou pelo quarteirão talvez umas quatro vezes e foi embora. Isso nos deixou alarmados. No dia seguinte, a mesma PT Cruiser veio e estacionou bem ao lado do portão. Javon ficou no trailer para assistir os monitores. Eu desci até o portão para ver o que era aquilo. Eu cheguei lá, e o pai do senhor Jackson, Joe Jackson, estava saindo do carro. Era a primeira vez que eu via esse cara em pessoa; eu só o havia visto pela TV antes. Ele tem uma aparência sinistra. Uma monocelha. Parece o Blacula e tudo. O tempo todo eu fiquei pensando, "Cara, esse aqui é o Joe Jackson. Esse é o cara que batia nas crianças do Jackson 5." Foi isso o que se passou na minha cabeça, olhando pra ele. Eu coloquei minha mão para fora do portão para cumprimentá-lo e disse, "Como você está, Sr. Jackson?" Ele não me cumprimentou. Ele só me olhou com essa expressão desagradável e disse, "Você provavelmente é um desses que estão injetando agulhas no braço do meu filho." Eu não respondi. Ele disse, "Estou aqui para ver o Michael". Eu disse, "Okay," o deixei, e fui para dentro da casa para buscar o sr. Jackson. Ele estava no quarto dele, escutando música bem alto. Eu bati na porta e ele saiu, e eu disse, "Senhor, o seu pai está lá fora." 

Ele perguntou, "Ele marcou um horário? Ele está no calendário?" 

"Eu acredito que não, senhor."

"Não, não, não. Eu estou trabalhando. Eu não posso ser perturbado quando estou criando. Diga a ele que ele tem de voltar e marcar um horário."

Quando esse papo de marcar horário saiu da boca dele? Me deixou bem confuso. Eu saí até o portão pensando, "Cara, eu tenho que dizer para esse homem que ele precisa marcar um horário? Para ver o seu filho?" Uh-uh. Eu não ia fazer isso. Eu ia ter que inventar alguma coisa. Eu fui até o portão e disse que o Sr. Jackson estava ocupado, mas que se ele voltasse no dia seguinte, eu asseguraria que deixaria o filho dele saber que ele queria visitá-lo. Então entreguei meu cartão a ele. Ele não o pegou. E começou a me atacar. “Eu não preciso da porcaria do seu número! Se não fosse por mim, nenhum de vocês, seus bastardos, teriam emprego! Fui eu quem começou essa merda”! Quando ele começou com esse papo? Nossa conversa acabou. Eu saí de lá. Ele ficou em pé lá, na calçada, gritando para o nada. Eu não queria fazer parte daquela cena, então dei meia volta e voltei ao trailer. Enfim ele entrou no carro e foi embora. Naquele momento, eu comecei a me perguntar em que tipo de situação havíamos nos metido. Eu não havia me comprometido a isso, me envolver com família.

Javon: Alguns dias depois que o Joe veio, havíamos feitos planos para levar o chefe e as crianças ao cinema. O time reserva estava vigiando a casa e Billy e eu estávamos ao caminho do cinema, há algumas milhas, para fazermos a pré-segurança. De repente recebemos uma ligação no rádio. 

“Eles violaram o portão! Eles violaram o portão!”

Bill agarrou o rádio. “Quem? Quem violou o portão?” 

“A família dele. Eles estão aqui.”

No momento em que escutamos aquilo, quebramos toda regra de trânsito do manual. Estávamos dirigindo do lado errado da rua, passando por barreiras. Voamos de volta para casa.


Bill: Estacionamos e eu vi uma Hummer preta dentro do portão. Eu estava vermelho, com raiva, gritando no carro, “Como eles conseguiram passar o portão?” O portão para a rua fechava muito devagar. Tinha sempre de ficar atento, porque se você abrisse para um carro, geralmente havia tempo para outro vir logo atrás. Nós descobrimos depois que foi isso o que aconteceu. O chef havia entrado para deixar uma encomenda, e a família do Sr. Jackson estava esperando na rua, com o carro em marcha lenta, esperando pela chance de entrar. Eu saí do carro e vi que haviam três dos seus irmãos: Randy, Rebbie e Jackie. Eles estavam parados na rotatória  em frente da casa. Eles vieram até mim. Eu estava esperando confronto, como com Joe, mas eles foram muito cordiais, muito calmos. Eles se apresentaram. Jackie apertou a minha mão e disse, “Hey, como você está? Você é o Bill?”

“Sim, senhor.”

“Okay, sim. Nós ouvimos falar sobre você.”

Então Randy interrompeu. “Você é da Fruit?” ele perguntou.

“Perdão?”

“Você é da Fruit of Islam?”

Eu disse, “Não, não sou.”

Randy disse, “Oh, ok. Bem, nós precisamos falar com o nosso irmão.”

Eu disse, “Sinto muito, mas vocês precisam marcar um horário.”

E isso foi tudo o que dissemos. Depois disso, eu os escoltei para fora da propriedade. A situação toda foi muito desagradável. Enquanto eu retornava para a casa, olhei para cima e pude ver o Sr. Jackson assistindo tudo por detrás das cortinas da janela do seu banheiro. Eu entrei e o encontrei. Ele parecia bem agitado. 

Eu perguntei, “Senhor, está tudo bem?” 

Ele disse, “Como eles conseguiram simplesmente vir até a minha porta de entrada?” 

Eu disse, “Eu sinto muito, senhor. Eu vou checar com o time e descobrir o que aconteceu.”

Ele disse, “Bill, isso nunca mais pode acontecer novamente.”

“Sim, senhor.”

“Nunca. Você entende isso?”

“Eu entendo.”

Javon: Dava pra notar que a família estava brava conosco. Eles pensavam que nós é que estávamos impedindo o acesso. Muitas pessoas acusaram a segurança do Sr. Jackson de tentar limitar o acesso a ele como forma de controlá-lo. Mas não tínhamos parte alguma nisso. Não estávamos nem aí se a família falasse com ele. Eram 100% as ordens do Sr. Jackson. Eu não sei como era o lance com a família dele antes de nós chegarmos, mas sob a nossa vigilância era óbvio que o relacionamento deles era nulo e vazio. Não entendíamos isso. Você pensaria que eles eram inimigos. Eu fiquei tipo, “O que tá rolando? Por que ele não quer ver a própria família?”

Bill: O Sr. Jackson e Elizabeth Taylor eram velhos amigos, e ela ia fazer uma festa de aniversário pelos seus setenta e cinco anos num resort em Lake Las Vegas, esse evento grande, de tapete vermelho. O pessoal dela havia escutado que o Sr. Jackson estava morando aqui agora, e eles entraram em contato com a empresária dele para perguntar se ele iria comparecer. Eles queriam que fosse uma surpresa para a sra. Taylor; ela não saberia de nada até ele aparecer. É claro que o Sr. Jackson queria ir. Então por volta de duas semanas antes do evento, ficamos sabendo e começaram os preparativos.

Javon: A primeira coisa que o Sr. Jackson fez foi ligar para o Roberto Cavalli, o designer, para criar a roupa que ele usaria para a festa. Cavalli pegou um vôo de emergência para lá. Nós o pegamos no MGM Grand, o levamos para a casa, e ele o Sr. Jackson começaram a desenvolver toda essa coisa nova para ele só para a festa. O Sr. Jackson estava obsessivo com cada detalhe. Ele mandou seu cabeleireiro vir de avião e sua maquiadora também. Assim que vimos aquilo? Sabíamos que ele estava levando a sério. Estávamos trabalhando para ele por volta de um mês, e essa foi a primeira vez em que ele disse, “Se certifiquem de irem com ternos novos.” Não apenas ternos, ternos novos. “Lavem os carros. Enceirem os carros. Se certifiquem de que seus sapatos estejam brilhando como espelhos.” Ele nunca havia feito esse tipo de coisa antes. Tipicamente, ele apenas no dizia onde queria ir e nós dávamos conta. Essa era a primeira vez que apareceríamos em público, onde sabíamos que haveria paparazzis e imprensa. Então todo dia, o Sr. Jackson falava, “Vocês têm que estarem ótimos. Quero que todo mundo esteja ótimo.”

Bill: Fomos ao shopping algumas vezes, com ele disfarçado. Fomos à Tiffany’s, ao Hallmark. Ele escolheu alguns presentes, um cartão de aniversário. Ouvíamos ele falando no carro, falando com Feldman sobre como ele estava cheio de energia. Estávamos ficando animados só de ficar perto dele. Era a primeira vez que realmente o víamos assim. No dia da festa, ele estava de bom humor o dia todo. Era contagiante. Se espalhava para todos na casa.

“Hey, o Sr. Jackson está de bom humor!”

Todos estavam entusiasmados. Toda a atmosfera do lugar mudou. O time de segurança, estávamos um olhando o outro, nos certificando de que estávamos prontos. Ternos passados. Sapatos engraxados. Até as nossas armas foram lustradas. Merda, estávamos bonitos!

Javon: Estávamos prontos para andar no tapete vermelho com Michael Jackson. Era surreal para nós. Éramos seguranças, mas também éramos fãs. Como não poderíamos ser? Estávamos escoltando o Rei do Pop para o aniversário de Elizabeth Taylor. Isso era topo de linha. VIP.

Bill: Estávamos prontos para seguir, os carros estavam fora da garagem, prontos para ir, eu saí para colocar um pouco mais de gasolina num dos veículos. Eu voltei e eles abriram o portão para mim e eu encostei do lado direito da rotatória. O portão estava se fechando atrás de mim. Eu estava saindo do carro e o portão estava a apenas um metro de fechar quando de repente – BAM! – esse barulho enorme. Eu virei para olhar essa Mercedes SUV entra batendo em máxima velocidade contra o portão. Ele começou a oscilar, como um portão de garagem quando não consegue fechar. A Mercedes acelerou, raspando pela abertura e estacionou do lado esquerdo da rotatória. Eu pensava que era alguma pessoa louca que ia enfiar o carro dentro da casa. Eu saquei a minha arma e corri até o carro.

Javon: Eu estava na garagem, esperando pelo sr. Jackson descer, para poder trancar a porta. Eu ouvi a batida e vi Bill sacar a arma. O chefe estava vindo pela porta da garagem no mesmo momento. Eu gritei, “Sr. Jackson! Não!” E eu o agarrei e o empurrei de volta para a casa e o tranquei. Ele ficou perplexo, perguntando, “O que está acontecendo? Está tudo bem?”

Bill: Parecia que tudo acontecia em alta velocidade e bem devagar ao mesmo tempo. A Mercedes freou bem em frente à porta principal. Eu fiquei entre ela e casa, saquei a minha arma e mirei no motorista. A luz do laser estava bem em seu peito e a única coisa que passava pela minha cabeça era, Seja lá quem for, está prestes a tomar um tiro. O motorista se mexeu e eu vi essa mulher no banco do passageiro. Aquilo me desestabilizou. Eu não estava esperando ver uma mulher. Então o motorista levantou a sua cabeça e eu vi quem era e gelei. Puta merda, eu pensei. É o irmão dele. É o Randy Jackson. Eu relaxei um pouco. Agora eu estava confuse. Qual era o lance com essa família? Aqui estava eu, prestes a atirar no próprio irmão dele e estava apenas a um segundo de puxar o gatilho. Só conseguia pensar na loucura que teria sido se eu tivesse atirado. Eu podia ver as manchetes: Irmão de Michael Jackson Leva Tiro dos Seguranças do Rei do Pop.

Javon: Eu não conseguia ver quem era, ao que Bill tinha o cara na sua mira. Eu corri até a garagem para lhe dar cobertura. Eu estava chegando lá quando o Bill me acenou para parar. Eu estava pronto para meter bala, com certeza, mas ele acenou para mim tipo, “Eu tenho o controle, tá tudo bem”. 

Bill: Randy desceu a janela do carro e gritou, “Tire essa arma da minha cara antes que eu chame a imprensa.” A imprensa? Isso era a última coisa que o chefe precisava. Eu fui até a janela e disse, “Sr. Jackson, o sr. não pode fazer isso.”

“Eu estou aqui para ver o meu irmão,” ele disse.

“Não deste jeito, você não irá vê-lo. Eu agradeceria se você voltasse para o outro lado do portão. Saia que eu informarei ao Sr. Jackson que você está aqui.”

“Eu não vou me mover até ver o meu irmão!”

Javon: Ele começou a gritar, falando um monte de palavrões, falando sobre esse dinheiro que é dele e que ele não vai sair sem ele.

“O Michael me deve dinheiro! Eu quero a porra do meu dinheiro! Eu não vou me mexer até conseguir a porra do meu dinheiro!”

Bill: Eu não estava nem aí para o que ele queria. Eu apenas o queria fora do portão. Eu guardei a minha arma, tentando amenizar as coisas. Eu pedi para ele saísse do veículo para que pudéssemos conversar de maneira civilizada. Ele se recusou. Ele ficou sentado lá no carro, ameaçando chamar a imprensa se ele não visse o irmão dele. Eu não queria que ele chamasse a imprensa, e eu não podia chamar a polícia porque isso traria a imprensa também. Eu fiquei preso. Lá estava esse putinho falando merda na minha cara, e eu não podia fazer nada a respeito. Eu deixei o Javon e os outros para olharem o Randy e entrei na casa para falar com o Sr. Jackson.

“O seu irmão Randy violou o portão,” eu disse a ele.

“Ele diz que está aqui para lhe ver a respeito de assuntos financeiros, e ele não vai embora até falar com você.”

O Sr. Jackson levantou as sobrancelhas por um momento. Então ele estremeceu e olhou para o outro lado. 

“Se livre dele, “ele disse. 

Eu voltei para tentar falar com o Randy novamente. Ele não se mexia. Estava lá parado em seu carro, gritando e xingando sobre o dinheiro dele.

Javon: Eu tive a idéia de bloquear o Randy com um dos carros, trazer o chefe pela entrada lateral, fazê-lo entrar em um carro diferente e assim, despistar Randy. Mas o Sr. Jackson disse, “Ele vai descobrir como nos seguir até a festa da Liz e fazer uma grande cena; ela não merece isso.”

Bill: Depois de mais uma meia hora, eu entrei na casa e disse novamente ao Sr. Jackson que o Randy não ia embora. O Sr. Jackson sentou por um momento, então ele suspirou e disse, “Okay. Eu vou para a cama.” Ele subiu, fechou a porta, e não saiu mais.

Javon: Aquilo nos matou. Ficamos desolados, pelo sr. Jackson e por nós mesmos. Eu estava orgulhoso de trabalhar para ele, e queria a chance de fazer isso em público, de mostrar às pessoas que eu trabalhava para Michael Jackson. Estávamos com ternos novinhos; estávamos muito animados. A festa de aniversário de Elizabeth Taylor? Você tá brincando?! Eu sou só um cara normal. Era da natureza humana que estivéssemos animados. E o Sr. Jackson? Ele estava fazendo planos há duas semanas. Isso era tão importante para ele. Teria sido uma das últimas vezes que ele e a Sra. Taylor teriam se visto, e eles eram amigos de longa data. Então para ele dispensar isso e ir para a cama? Aquele foi o momento que nos fez saber, okay, essa família tem um grande poder sobre ele. Se tivesse sido qualquer pessoa comum que tivesse invadido o portão, o Sr. Jackson teria falado algo como “O que vocês estão esperando? Escoltem ele para fora da casa e vamos embora.” Mas isso? Isso acabou com toda a noite dele.

Bill: Eu estava puto. Eu nem queria mais que o Randy saísse da propriedade. Eu queria que ele saísse do carro, porque eu queria acabar com ele por ter estragado a noite do Sr. Jackson. Ele ficou sentado lá por mais duas horas. Tivemos que ligar para o pai dele. Foi a única coisa que pudemos pensar. O Randy é um homem adulto, e ligamos para o papai dele vir e limpar a sujeira dele. Joe Jackson apareceu e, de início, o Randy nem queria escutá-lo. Só ficava dizendo que iria chamar a imprensa, falando “Eu estou aqui para pegar meu dinheiro.”

O Joe disse, “Esse não é o lugar para isso. Que diabos você está fazendo?”

Joe finalmente convenceu Randy a ir embora, e assim eles se foram. O quarto do Sr. Jackson era bem em cima da garagem. Ele deve ter escutado muito do que eles falaram. Naquele momento já era muito tarde para chegarmos na festa. Tentamos marcar para que ele visse a sra. Taylor enquanto ela estivesse na cidade, mas ele já iria embora na manhã seguinte. Então eles conversaram pelo telefone e foi isso.

Javon: Depois daquilo, ele não saiu de casa por três dias. Não ouvimos nada dele. Nada de ligações, comunicação, nada. Ele se desligou.


Traduzido por Bruno Couto Pórpora