quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Trinta anos depois, o mesmo Michael Jackson de antes (Folha de SP, Setembro 2001)

Folha de São Paulo, 10 de setembro de 2001
Por Sérgio Dávila
de NY

Um foco de luz no meio do palco branco. Uma figura reconhecível sai do escuro e vai se revelando aos poucos. De baixo para cima, o indefectível mocassim preto com meia branca, calça pega-frango, camiseta preta.

Como se fosse Chaplin se preparando para encarnar Carlitos, ele abre uma mala, de onde tira a luva de mão única prateada (gritos da platéia), a jaqueta cheia de brilho (uivos da platéia) e o chapéu preto (urros da platéia). O baixo inicia os primeiros acordes, e ele passa a dançar e falar sobre uma menina que era uma rainha da beleza.

Vinte anos depois, estão lá os mesmos gritinhos, as frases cantadas entre respiração e os mesmos passos: o "moonwalking", o semi-sapateado, os pés parados em ponta com pernas dobradas que viraram o logo dos anos 80.

É "Billie Jean", e Michael Jackson, 43, canta cada frase acompanhado pelas 15 mil pessoas que quase lotam o Madison Square Garden na sexta-feira à noite, em Nova York, no show em homenagem aos seus 30 anos de carreira.

Num segundo, você lembra porque está ali e como valeu a pena esperar duas horas de show até este momento. E que pena: das 20h40, quando Samuel L. Jackson abriu a noite, até as 22h45, quando MJ finalmente sobe ao palco acompanhado de seus irmãos, o que se vê é uma mistura de baile da saudade e festa de formatura.

O baile da saudade: Marlon Brando pedindo dinheiro para crianças carentes, Liza Minnelli cantando "You Are Not Alone", Gloria Stefan destruindo "I Can"t Stop Loving You".

A festa de formatura: não havia direção, esperava-se até dez minutos entre as músicas, o som era na maioria das vezes embolado, o que não se justifica num show com ingressos até US$ 2.500.

O aniversariante só entra em cena às 22h49, introduzido pela amiga Elizabeth Taylor. Emerge do palco vestido de piloto de F1 estilizado. Atrás, os outros Jacksons, que não se apresentavam juntos desde 1984. Cantaram "ABC" e "I"ll Be There" com as mesmas coreografias dos anos 70. A noite começava a fazer sentido.

Aí, foi quase uma hora do melhor MJ: de "Beat It" e "Black and White" até a nova "You Rock My World" e, a melhor, "Billie Jean".

MJ é vítima da própria genialidade. Tem de conquistar uma geração que nunca comprou um CD seu, nunca assistiu a estréias de seus clipes em rede nacional nem dançou suas músicas em festas.

São meninos e meninas que só ouvem rap, gênero que domina as paradas dos EUA e que só floresceu por "culpa" do próprio MJ. Mesmo as centenas de Máicons brasileiros, batizados em sua homenagem, hoje têm 15 anos e ouvem Racionais.

Antes de entrar no palco, quando ainda assistia às homenagens de seu camarote, MJ sentava-se entre os amigos Macaulay Culkin e Liz Taylor. Se a vida tivesse legenda, a do trio seria "Começo, meio e fim da mesma história".